segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O jogo da velha



"Se uma mulher conseguir manter o dom de ser velha quando jovem e jovem quando velha, ela sempre saberá o que vem depois" A frase esta lá na página 52, completamente integrada no texto, mas mesmo sozinha faz todo o sentido, ao menos pra mim, que nasci com 100 anos e venho regredindo desde então.


Desacato não era meu forte na adolescência. Por fora, parecia com qualquer garota da minha geração, mas por dentro era morfética. Lia 24 horas por dia, principalmente sextas e sábados à noite. Obediente. Cdf. Quase moralista. Não jogava vôlei, mas era craque na ioga. O apelido de um namorado meu era Cabeça, daí você imagina como a gente se divertia juntos.


Hoje olho para as garotas que debochavam do meu jeito cavernoso de ser e adivinhe: estão domesticadas e usam meia-calça branca, como boas mães de família. Tomaram juízo.


Não estou sozinha na contramão: muitas de nós têm a mesma história pra contar. Mulheres que, quando meninas, rezaram pela cartilha da reverência, da ordem e progresso, do abafamento do instinto, e que só através desse aprendizado formaram a base e a estrutura necessárias para contestar o estabelecido e reinventar-se. Ao observar os desenhos de Picasso quando jovem, ficamos surpresos com seu academicismo, com seu domínio de anatomia, com a obediência dos traços. Leva tempo até a gente poder trocar olhos e bocas de lugar, fundando um estilo e uma regra próprios.


Ainda sobrevivem, no entanto, aqueles que acham que o tempo de rugir é na juventude, ficando para a meia idade e velhice o tempo de perder os dentes. Contesto meritíssimo. A juventude é um receptor de emoções originais, mas também de preconceitos herdados. A juventude é barulhenta, quando deveria ser astuta. É estabanada, quando deveria ser observadora. É arrogante, quando deveria ser humilde, e deveria idolatrar menos os Kurt Cobais da vida que elegem como lema "viver dez anos a mil" e que hoje estão a sete palmos da terra. Há tempo de sobra pra ser jovem mais tarde, quando temos mais autonomia e menos medo da verdade.


Crônica Martha Medeiros Junho de 1999

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